segunda-feira, 11 de abril de 2011

O preconceito contra o islamismo


Sete de abril de 2011 foi um dia de luto para os parentes e amigos das vítimas de Wellington Menezes de Oliveira, 23, autor do atentado na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro (RJ). Mas foi também um dia de consternação para quem acompanhava a grande mídia. Às oito horas da manhã daquela fatídica quinta-feira, o atirador, armado com dois revólveres e muita munição, disparou contra dezenas de crianças que ele sequer conhecia. Menos de três horas depois do massacre os principais veículos nacionais destacaram, nas primeiras páginas dos seus portais, o que motivou tamanha brutalidade.
Nas manchetes, com letras garrafais, se ensaiava o gancho para a próxima grande notícia que pautaria os noticiários: o assassino de criancinhas estava a serviço do Islã.
Mas como se chegou a essa sentença tão preliminarmente?
Wellington premeditou o crime. Em seus planos sombrios, ele próprio sairia sem vida da operação. Preparou uma carta instruindo como deveria ser o próprio velório. Nela dizia que não queria ser tocado por impuros. Também escreveu que deveriam despi-lo e enrolá-lo em um lençol branco antes de ser colocado no caixão. Depois, pediu pelo perdão de Deus, narrou a volta de Jesus e fantasiou o despertar de seu sono. Em outro parágrafo, expressou o desejo para que doassem seus bens para instituições que cuidavam de animais abandonados. O texto, confuso, parecia saído de uma mente insana, com crenças bem particulares.
No calor dos acontecimentos, o coronel Djalma Beltrame, em entrevista à Globo News, às 10h40min, descreveu as primeiras impressões da tragédia. “Parece que é a ação de um alucinado, de uma pessoa fundamentalista, que acessa sites de muçulmanos, islâmicos”, disse. O coronel afirmou que só alguém sem espírito cristão poderia fazer uma loucura daquelas. Ele ainda confirmou que o texto era sem sentido, e que o conteúdo nem poderia ser classificado como religião. Beltrame entregou a carta diretamente ao delegado responsável pelo caso, para que fosse averiguada.
Na ânsia pelo furo, os repórteres saíram à caça de mais informações. Por volta das 11 horas, o jornalista Ricardo Boechat, da Band News, divulgou a gravação de uma conversa com a irmã de criação do assassino, Rosilane de Oliveira. Eles se falaram ao telefone, e o entrevistador queria mais detalhes do atirador. O experiente repórter questionou, de antemão, se Wellington era muçulmano. A essa altura, um especialista da Globo News associava até a vestimenta do assassino ao islamismo. No entanto, Wellington trajava um coturno e uma camisa social de manga longa verde, que mais lembrava um militar.
A moça, nitidamente nervosa, confirmou vacilante. “Ele (Wellington) era estranho; falava besteiras. Negócio de muçulmano, essas coisas”. A resposta foi vaga e evasiva. Com mais propriedade, ela explicou que a mãe, já morta, era Testemunha de Jeová, porém o irmão não seguia mais aquela religião. Além disso, ele era muito reservado e só vivia no computador, isolado.
Foi assim que, por volta das 11 horas, a Band News publicou a seguinte manchete: “Tragédia em Realengo: Ele tinha relação com o islamismo, diz irmã do atirador”.
A novidade repercutiu no UOL, com o título:
“Irmã de atirador diz que ele era ligado ao Islamismo e não saia muito de casa; ele deixou carta suicida”.
Como em um estouro de manada, outros grandes veículos publicaram como fato o que carecia de comprovação. Citaram como fontes as entrevistas da Globo News e da Band News. Entre os portais nacionais destacou-se o Estadão, com o uso de letras amarelas que luziam num macabro fundo preto. Em minutos, as suposições se espalharam pelo mundo através da agencia de notícias Reuters, e de jornais europeus.
O ato irresponsável, e aparentemente não orquestrado, incentivou manifestações de intolerância religiosa nas redes sociais. A Constituição brasileira, que garante a liberdade de religiões, foi ignorada. Dias depois, a teoria foi desmontada aos poucos por especialistas, teólogos, representantes e estudiosos de várias religiões. A polícia ainda investiga o caso, mas tudo indica que a motivação do jovem atirador foi conseqüência de delírios esquizofrênicos de uma mente psicótica.
É importante que essa triste história sirva de exemplo aos demais jornalistas. Que a profissão seja exercida com mais responsabilidade, respeitando os compromissos éticos e sociais. Que se aceite as diferenças e se repila o pensamento único, estereotipado. O racismo e a discriminação, ao contrário do que grupos elitistas e preconceituosos apregoam, engessam a livre expressão. As notícias que abordam as minorias de raça, de gênero, de religião ou de orientação sexual, podem e devem ser debatidas. No entanto, exige-se cuidado redobrado na apuração e na divulgação, pela fragilidade dos envolvidos. Usar o preconceito para vender jornal é, no mínimo, inaceitável.

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