sexta-feira, 21 de maio de 2010

Onde está o samba chula

Nascido nos grotões do Brasil, mais especificamente na região do Recôncavo Baiano, o samba, uma herança africana, rodou o mundo e se tornou símbolo da cultura brasileira. O samba chula, que é um dos pioneiros subgêneros do estilo, de acordo com a Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana, traz na receita: pitadas da dança de capoeira, das batidas dos tambores e zabumbas do candomblé e das cantorias e poesias dos sambas-de-roda. Atualmente, essa manifestação popular perdura na capital e no interior da Bahia. Porém, é desconhecida da grande maioria, devido, em grande parte, ao mercantilismo da música e, conseqüentemente, ao descaso da mídia.
Um estadunidense e ex-capoeirista, que mora no Brasil desde 1992 e mantém uma rede social de música e cultura brasileira, a Euterpédia Brasil, Randy “Pardal”, não compreende a falta de apoio aos grupos remanescentes desse samba rural: “Ainda penso em fazer um documentário, onde o cenário é a roça, com gente do povo, e não teatros elegantes como costumam fazer. Os cantadores são pessoas simples, no sentido material”, diz Pardal, inconformado. Ele sempre gostou da música brasileira, mas achava que o samba era africano, até comprar um disco de Raimundo Sodré, começar a pesquisar e ficar ainda mais encantado ao descobrir que, apesar da dura vida que levavam, os escravos brasileiros criaram “o mais alegre ritmo que ele já ouviu na vida”. 
Em uma homenagem ao Mestre Bule Bule, O professor da Universidade do Estado da Bahia, Roberto Dantas, compartilhou da preocupação de Pardal, ao discursar a favor de cantadores de samba, tocadores de zabumba, trios nordestinos e todo o cancioneiro da Bahia. “Onde eles estavam quando, nas festas de São João, só lucravam as grandes bandas? Todos devem ter o direito de espaço, como todos devem ter o direito de escolher o que escutar. É uma perversa exclusão: os trios e arrochas faturam as maiores somas, enquanto os cantadores são marginalizados e ficam acanhados entre as bandas. Há de se ter espaço para todos, sem preconceitos entre a tradição e a modernidade”, finalizou, enfático. O antropólogo e membro do Conselho estadual de Cultura, Washington Queiroz, discursou em uníssono à Dantas e ressaltou o papel do Estado para a manutenção da memória deste Brasil culturalmente plural. Ele defendeu a apreciação do projeto de lei que regulamenta a profissão do vaqueiro, e o pedido de registro no IPAC como patrimônio cultural imaterial.

Apesar das dificuldades, existem “heróis” que permanecem na luta para a perpetuação do samba chula. São os mestres, cantadores, sambadores, músicos, poetas, repentisas e vaqueiros. Entre eles, destacam-se Bule Bule, Raimundo Sodré; os grupos Samba Chula de São Braz, Filhos da Pitangueira de São Francisco do Conde e Raízes do Sertão; os mestres Ananias, João do Boi e Zeca Afonso. Alguns sequer aparecem na mídia, pois não aceitam “cangalha nem cabresto para tocar” como diz o Mestre Bule Bule. “O único cabresto que aceito é o dinheiro, mesmo assim, gasto de imediato. Quando não tenho nobremente com o que gastar, eu invento”, enunciou, um dia antes de viajar para se apresentar em Porto Alegre (RS), ao lado de Gilberto Gil.
O “Programa Cultura Viva”, do MinC, também contribui para a continuidade e evolução do samba de roda, através da parceria do IPHAN com a Associação dos Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia. Juntos, administram a “Casa do Samba”, em Santo Amaro (BA), a 76 km de Salvador, um ponto de cultura que valoriza o notório saber dos mestres do samba e onde é possível apreciar, quinzenalmente, a uma boa roda. No mês de maio, dia 15, se apresentou o grupo Samba Chula Alegria da Terra de Candeias (BA). No mesmo dia, Raimundo Sodré participou do “Bembé do Mercado”, evento que começa no dia da assinatura da Lei Áurea, dia 13, e é conhecido como o primeiro e único candomblé de rua do mundo. Quando o assunto é cultura popular, a região de Santo Amaro fervilha, porque um dos grupos mais tradicionais, o Samba Chula de São Braz, se apresenta semanalmente em uma colônia de pescadores. Lá, o Mestre João do Boi canta os versos da chula, acompanhado do miudinho, o passo de dança das sambadeiras.

Mas nem tudo é tradicional nessa riquíssima diversidade musical. A nova geração de repentistas, cantadores e poetas bebe direto da fonte e acrescenta um toque pessoal à arte. Vale a pena conhecer o trabalho do músico e cordelista Maviael Melo; do multi-instrumentalista e etnomusicólogo Cassio Nobre em parceria com Júlio Caldas no grupo Viola de Arame; e dos repentistas Pardal do Jaguaripe e Davi Nunes. Dessa forma, parafraseando Bule Bule, o samba chula “junta a fome com a vontade de comer” e une o tradicional ao moderno para atravessar as barreiras históricas e fazer história.

Links:
Trecho de Samba Chula de São Braz
Site do Samba Chula de São Braz no Euterpédia
Cassio Nobre e Viola de Arame
Site do projeto Cantador de Chula (DVD/CDs, lançado pela Associação Cultural Umbigada)
Site da Associação dos Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia
Site de Mavial Melo no Palco MP3
Samba Chula Filhos da Pitangueira e Milton Primo
Cordel Digital com Pardal do Jaguaripe
Fotos Flickr

Adriano S. Ribeiro