quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Comunidade do Conjunto ACM - Cabula I - 2010 - Parte 01

Comunidade do Conjunto ACM - Cabula I - 2010 - Parte 02

Como Denissena e o Projeto Cidadão mudaram o visual do Cabula I



Denissena e educandos do Projeto Cidadão

O ano era 2000, numa região a cinco quilômetros de Salvador (BA), chamada Cabula I. Denis Sena, mais conhecido como Denissena, 34, e Zeze Olukemi, 29, grafitaram o muro da entrada do Conjunto Habitacional Antônio Carlos Magalhães (Conjunto ACM). A pintura chocava, pois retratava uma mulher nua, com as pernas abertas, dando à luz várias crianças. “O que mais chamava a atenção eram os bebês, que evoluíam e se transformavam em jovens empunhando armas de fogo”, conta Zeze, companheiro de Sena e cúmplice na operação, que gerou mal-estar com um polêmico político, morador do bairro. Na época, todos estavam acostumados com as paredes pintadas por grafiteiros. Apesar de a linguagem ser nova, e a tribo urbana, incipiente, o local era um ponto de livre expressão para eles. No entanto, o desenho da gestante foi prontamente censurado pelo vereador Antônio Carlos Silva Souza (PRP), conhecido como “Bomba”, que não gostou do que viu e deu ordens para apagar. Sem se intimidar, Denis refez a arte, um pouco menor, mas com o mesmo apelo. Dessa vez, ele estava acompanhado por um grupo de crianças e jovens aprendizes da ONG Projeto Cidadão, do Cabula I. “A pintura continua lá, até hoje. Bomba teve que acatar a vontade da maioria”, conta Zeze.

Uma década mais tarde, em um restaurante no Caminho das Árvores, requintado bairro de Salvador, outro grupo, de artistas e profissionais das artes plásticas, prestigiava um vernissage do colega Denis. O menino raquítico, que iniciou a carreira dando aulas para crianças carentes, na ONG Projeto Cidadão, agora, recepcionava os convidados da mostra Meus Heróis, evento de divulgação do projeto intitulado Graffiti de Rua na Galeria, patrocinado pelos Correios. O evento ocorreu paralelamente a outra exposição do grafiteiro, no Espaço Caixa Cultural, da Caixa Econômica Federal. Alguns dias antes, Denis estava na África, expondo em Angola.

Esses dez anos de criação levaram o grafiteiro baiano a conhecer as grandes metrópoles do mundo: São Paulo, Nova Iorque, Tóquio. Mas foi no simples mercadinho de seu Zé, entre as comunidades do Cabula I e Beiru, que, bem à vontade, falou da vida e da carreira, fumando um charuto típico do candomblé e tomando uma cerveja gelada.

Zeze Olukemi, no evento de Sena

“O grafite é uma das mais antigas formas de comunicação criadas pelo homem. A técnica de pintar as paredes das cavernas é milenar. Paradoxalmente, é uma arte efêmera por natureza, pois o desenho pode estar no muro, hoje, e, no outro dia, não estar mais lá”, diz Denis. Ele experimenta várias linguagens artísticas, mas sempre expressa a cultura baiana, com a qual se identifica. O candomblé é uma grande influência nos desenhos que faz, seguindo o exemplo do ídolo, o artista Caribé.

Em 2000, Denissena foi voluntário no Projeto Cidadão, coordenado por Antônio Jorge, atual presidente da associação de moradores do Conjunto ACM. Resolveu ingressar nessa empreitada pela carência da comunidade e por sentir falta de políticas públicas na região. Ele e Antônio Jorge sempre acreditaram na ação social sem vínculos partidários. Depois dessa experiência, escolas de outras cidades os convidaram para implantar projetos semelhantes. “Em Amargosa (BA), crianças de outras escolas pulavam o muro para participar do programa”, diz o coordenador.

Antônio Jorge, 45, pedagogo, conhecido como “Toinho”, é presidente da associação de moradores do Conjunto ACM, que existe há 38 anos. Ele afirma que não se recandidatará ao cargo este ano, pois pretende fazer pós-graduação, relacionada ao meio ambiente. "A alternância na presidência é saudável e democrática. Se não existisse a oposição, eu acabaria me acomodando”, diz. Ele rechaça o clientelismo e proselitismo da politicagem. “Para um político entrar aqui, tem que pedir licença à comunidade”. Contudo, a ONG, mesmo carecendo de recursos, será tocada normalmente. Antônio Jorge tenta, a todo custo, reverter a ausência do Estado na comunidade. “Eu crio políticas de inclusão social, com a ajuda dos voluntários da ONG e dos moradores do conjunto”.

O pedagogo conta que entrou no páreo para assumir a presidência da associação ao saber que “Bomba” era o candidato da oposição. Como achava que o político não resolveria os problemas da comunidade, resolveu lançar a própria candidatura, da noite para o dia. Confeccionou panfletos e, com um grupo de amigos, colocou-os debaixo das portas dos moradores. Resultado: mais de 50% de votos a seu favor. Ele explica que, mesmo com o curto tempo que teve para a campanha, a vitória foi resultado de um trabalho “feito aos poucos e começando de baixo”. Ele ainda dá uma lição ao vereador: “É preciso saber fazer a diferença na comunidade e levar isso para o resto da sociedade”.


Antônio Jorge, fundador do Projeto Cidadão

Sr. Josias de Almeida, um dos mais antigos moradores do conjunto, atesta a seriedade de Antônio Jorge no que concerne aos trabalhos comunitários e da associação. “Ele gosta de tudo certinho”, garante. Os jovens também o citam como uma referência naquelas bandas.

O Conjunto ACM é como um oásis na região, rodeado pelos bairros Beiru, Engomadeira, Arraial do Retiro, Barreiras e Mata Escura, todos com estruturas urbanísticas deficitárias. A disputada quadra poliesportiva e o espaçoso jardim atraem toda a população das adjacências. “A molecada é que mais gosta e se beneficia”, completa Antônio Jorge. Ele dá o exemplo de Samuca, que começou como educando do projeto e depois se tornou professor. “Atualmente, o garoto está cursando Artes Plásticas na UFBA”, gaba-se.

Samuca, morador da Boca do Rio, conheceu a ONG em 2003, quando leu na agenda da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb) sobre os trabalhos de Denissena, no Cabula I. “Fui atrás e me inscrevi como aprendiz, depois virei professor”, conta o estudante da UFBA. Samuca relembra que, naquele tempo, fazer grafite era muito mais difícil. “Além de ser uma atividade cara e sem reconhecimento, éramos confundidos com vândalos”, diz.

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Sobre o Projeto Cidadão

O Instituto para Educação, Cultura e Desenvolvimento (Projeto Cidadão) foi fundado em cinco de Janeiro de 2000, com o propósito de dar às crianças, adolescentes e jovens da comunidade do Cabula I e redondezas a oportunidade de participarem de oficinas orientadas por educadores sociais ou arte-educadores, fora do horário da escola.

A instituição é uma Oscip: Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Lei 9790/99). Trata-se de uma ONG com certificado emitido pelo poder público, em que se pode contratar pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). As Oscips são financiadas pelo Estado ou pela iniciativa privada, e não têm fins lucrativos.

Nos dez anos de funcionamento, mais de 1500 jovens fizeram oficinas de teatro, fotografia, dança de salão, dança moderna, futebol, futsal, grafite, artesanato, porcelana fria, artes, desenho artístico, artes plásticas, capoeira, percussão e reforço escolar.

Os recursos para manter a ONG são provenientes de editais e de voluntários. A divulgação se dá, principalmente, no boca a boca, e também em palestras e apresentações em universidades. “Já saíram algumas matérias e notas na TV e nos jornais”, diz Toinho.


Foto divulgação - Projeto Cidadão
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A trajetória artística e profissional de Denissena se mistura com a história da ONG. Ele admite que os concursos de grafite, organizados pelo parceiro Antônio Jorge, lhe deram muita visibilidade. “Realizamos diversas intervenções, diversos eventos, resultando numa projeção do meu trabalho. Mas também foi uma luta diária, e é por isso que eu me autodenomino um operário cultural”, diz Sena. “Venho de uma família de origem simples, periférica, mas que me deu o essencial, educação e amor. Hoje, eu passo esses mesmos valores para a comunidade: de que a família precisa estar presente no convívio com os meninos”. Denis se lembra da vez em que ganharam o primeiro concurso de grafite, patrocinado pela Entursa. “Dividimos o prêmio de 10 mil reais entre os 10 grafiteiros que participaram, em 2003. No segundo ano, já éramos 20”, recorda.

A artista plástica Ana Paula Rios elogia o trabalho de Sena. “Desde 1996, ele experimenta diversas linguagens artísticas para expressar sua identificação com a cultura baiana, marcada pelas raízes negras africanas e por um discurso em defesa de valores como liberdade, paz e consciência social. Ele é um artista inquieto, que usa a rua e materiais incomuns, como lixo reaproveitado, como suporte para suas obras”. Além da participação de Sena no Projeto Cidadão, Ana Paula destaca outro trabalho dele no campo da arte-educação. “Ele foi instrutor de grafite no Projeto Abrindo Espaços, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), no ano de 2002”.

A diretora da Escola Municipal Cabula I, Eugênia Reis, recorda-se de quando a TV Aratu esteve no estabelecimento para gravar um programa sobre artes e projetos sociais, com Denis. “Ele ensinava professores e alunos a fazerem trabalhos de reciclagem com garrafas PET. Foi o primeiro contrato oficial que assinou com um órgão público”, orgulha-se Eugênia. “Através da arte, ele conheceu até o Brooklin , bairro de Nova Iork, nos Estados Unidos”, frisou. Denis esteve em Nova Iork, onde deu palestras em oito universidades, com o objetivo de divulgar o projeto Salvador Graffita, desenvolvido pela prefeitura de Salvador, em parceria com 43 grafiteiros.

Quem chega ao Conjunto ACM percebe que é um lugar diferente. Os muros pintados pela trupe do Projeto Cidadão mudaram o visual do Cabula I e são uma marca registrada do local. Em Salvador, é comum citar pontos de referência, pois a sinalização é precária e muitas residências não são numeradas. É assim que Denis explica como chegar à sua casa. “Depois da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), siga pela Estrada das Barreiras; ao visualizar uma parede grafitada, vire à esquerda”. Cada muro desenhado naquela região tem uma história. Basta dar uma volta de carro com Denis para ficar sabendo de cada uma delas. “Esse muro foi meu aluno que fez”, aponta, orgulhoso. “Muitos desses meninos podiam ter seguido caminhos tortuosos, mas estão aprendendo arte”, completa. Edilson Rocha, 15, mostra as técnicas de Free Style que está aprendendo com o mestre. “Hoje, minha vida é desenhar. Sempre penso em passar em algum lugar e ver um desenho meu”, orgulha-se.


Edilson mostra a técnica "Bomb"de grafite


quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Entrevista com Luís Nassif


Mineiro de Poços de Caldas, Luís Nassif, 60, acumula no currículo as funções de jornalista, escritor, compositor, músico, consultor financeiro, blogueiro e pai de quatro meninas. No dia 1º de setembro de 2010, comemorou 40 anos de jornalismo, tendo passado pelos maiores veículos de comunicação do Brasil.



Nassif iniciou a carreira como estagiário na revista Veja, nos anos 70, onde fez grandes amigos e foi “foca” do jornalista e crítico musical Tárik de Souza. Em 1979 passou quatro anos, segundo ele inesquecíveis, no Jornal da Tarde, onde introduziu a primeira experiência de economia pessoal da imprensa nacional. Ele também se recorda dos bons momentos que teve na Folha de S. Paulo, nos anos 80, época em que o periódico tomava gerações inteiras de leitores do concorrente, O Estado de S. Paulo, e se firmava como o mais influente formador de opinião do país.

Além de ter sido editor e membro do conselho editorial da Folha de S. Paulo, na mesma época em que participou do sindicato dos jornalistas, foi também colunista nos sites IG e UOL e comentarista econômico nas TVs Cultura, Bandeirantes e Gazeta. Ele foi pioneiro no jornalismo de serviços e jornalismo eletrônico no país.

Nassif entende profundamente de economia e tecnologias diversas, também é um exímio apresentador de TV e analista político. Atualmente é blogueiro, empresário (possui uma consultoria econômica chamada Dinheiro Vivo), músico (toca bandolim em um grupo de chorinho, ritmo que adora e pesquisa), escritor (tem quatro livros publicados: A Casa da Minha InfânciaO Menino do São Benedito e Outras Crônicas, de crônicas; Os Cabeças-de-planilha e O Jornalismo dos Anos 90, de análise e história econômica) e contratado da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), onde apresenta o programa Brasilianas.org, na Rede Brasil.

Luís Nassif acumulou prêmios, escreveu livros, introduziu conceitos, desvendou mistérios, enfrentou atitudes arrogantes e, de quebra, fez inimigos. Nessa entrevista, ele falará um pouco da carreira, da vida e de alguns assuntos polêmicos relacionados à profissão, à política e à mídia.



Você também é músico e compositor. O que prefere: música ou jornalismo?


A música é fundamental para garantir a cabeça fresca para o jornalismo. Mas a resposta é jornalismo. Aos 19 anos, tive a chance de fazer carreira nos dois, mas jornalismo sempre falou mais forte. Quando eu vim para São Paulo e ganhei alguns festivais, tinha um crítico da Veja que queria que eu seguisse como compositor. Três anos depois, eu era jornalista e ele crítico culinário. Falei para ele que nenhum dos dois deu para o negócio (risos).

Você é formado em jornalismo pela Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Além disso, possui especialização em economia?


Comecei em 1975 no jornalismo econômico e me especializei em jornalismo financeiro, matemática financeira e economia pessoal. Nos anos 80, percebi que o país era muito mais amplo que a mera economia; que tem que ser construído com um conjunto de valores como educação, inovação, gestão e tecnologia.

O que aconselha a um estudante de jornalismo que quer se especializar em política e economia?


Tem que ter uma visão de país que vá além do mercado financeiro. Eu inaugurei a cobertura financeira no país, no final dos anos 80, e percebi que o Brasil é muito mais amplo que o mercado financeiro. O jornalismo te dá condições de entrar em muitos setores e você tem que ter um conhecimento específico sobre cada setor. Mais adiante, quando tiver massa crítica suficiente, poderá fazer as ligações e terá uma visão do conjunto. Não é uma visão meramente de mercado financeiro ou da questão social, por exemplo. O jornalismo te permite transitar por esses diversos setores. Sempre que você for fazer uma matéria de um setor diferente, tente identificar quem é a boa fonte e aprenda, aprenda, aprenda! Nosso trabalho é de aprender sempre.

Você acha que a população brasileira já não acredita mais na mídia tradicional e que há uma tendência de crescimento das mídias sociais?


A pessoa não acreditará mais na mídia tradicional. Ela identificará, no blogueiro A, B, ou C, aquele que tem as mesmas ideias. Haverá uma multiplicação fantástica de porta-vozes e grupos. No meu RSS (agregador de notícias), por exemplo, eu vou ter vários blogueiros de áreas específicas, numa dinâmica que a velha imprensa jamais conseguiu entender. A tendência dos movimentos sociais, dos sindicatos, das empresas e das associações empresariais, é que cada qual produza a sua notícia. Por exemplo: Se eu montar um jornal e quiser uma opinião da Central Única dos Trabalhadores (CUT), eu vou mandar um repórter ir lá, diretamente, pois o conteúdo é mais seguro do que o que eu vou ler na Folha, no Estadão ou no Globo. Isso faz parte da criação dessa nova estrutura de redes sociais geradoras de notícias, que rompe com esse monopólio de opinião que a velha mídia praticava.

Existe uma efervescência de iniciativas surgindo, como a Rádio e TV da CUT. Como você avalia isso?


É um salto de modernização extraordinário. Como eu disse, cada um vai produzir a sua notícia sem precisar pegar matéria enviesada de alguns jornais. Muda tudo. Muda a questão da política, porque hoje, no Brasil, só ganha dimensão política o que passa nos jornais. Muda a política econômica, pois quando têm as reuniões do Conselho de Política Monetária (Copom), eles só querem saber das metas de inflação. No entanto, a CUT ou o Abílio Diniz (Pão de Açúcar) conhecem muito mais de economia real do que o economista de mercado. À medida que isso vem à tona, acaba com esse poder, dos analistas financeiros, de definir o preço pra fundamentar os juros entre eles. É uma revolução sem tamanho. Mas veja bem, todos esses eventos ocorrendo, e a consagração final da blogosfera está no ataque que o Serra fez aos blogues, chamando-os de sujos. No 8º Congresso Brasileiro de Jornais, o candidato do PSDB afirmou que: “boa parte ou alguns dos blogs sujos mais importantes são mantidos inclusive com recursos da TV Brasil feita não para ter audiência, mas para criar empregos na área de jornalismo e servir como instrumento de poder em matéria de expressão e de informação para um partido basicamente". Isso é o reconhecimento de que o jogo virou.

Qual a importância do 1º Encontro Nacional dos Blogueiros Progressistas?


É bom para uniformizar o conhecimento sobre o que nós entendemos ser a internet. A internet não é ordem unida, não é movimento sindical; podem ter vários sindicatos, várias associações, mas cada qual tem sua individualidade. O que vai unir todos, são as bandeiras do direito à informação, das políticas de inclusão social, do combate à intolerância e o fortalecimento de todas essas redes sociais que estão surgindo. É importante o aprendizado de que a divergência faz parte do processo democrático. Pensar de forma diferente não torna o outro um inimigo. Então, se alguém pensa de forma diferente, vamos discutir, vamos sentar num bar ou tomar um cafezinho juntos. A lição final, que vamos dar aos “jornalões”, é mostrar que nós sabemos conviver com as divergências. Eu não concordo com algumas manifestações radicais, de querer eliminar o inimigo. Nosso jogo é de luz e não de escuridão. Temos pessoas das mais diferentes formações políticas e o importante é construir um ambiente em que caibam todos de forma respeitosa.

A qualificação dos blogueiros é um desafio a ser enfrentado, nos fale sobre isso.


É preciso dominar as ferramentas da internet. Mas nem todo blogueiro será um jornalista. Alguns querem contar as experiências pessoais, outros querem dar opiniões. Nesse amplo universo, existem alguns especializados, como o blogue da NaMaria, que é uma especialista em Diário Oficial e levanta tudo com uma competência que nunca vi um jornalista fazer. Cada área terá um especialista.

Você brigou com o jornalista da revista Veja, Diogo Mainardi?


Não tive uma briga com o Diogo Mainardi, a briga é com o chefe dele, o Roberto Civita. O Mainardi foi um mero instrumento do Civita e do José Serra, que criaram essa figura insegura. Conheci o pai dele, batia nele na frente dos colegas de publicidade. Ele tem uma história complicada, chegou aos 40 anos frustrado com a carreira; o pai quebrou. Então, o usaram para fazer os ataques. Eles pegam um sujeito sem expressão, transformam em um personagem nacional... Como Mefistófeles para Fausto: “Tudo aqui é seu desde que cumpra isso”. Ele cumpriu, agora saiu correndo do país. Ele pensou que ia ser um superjornalista, que podia destruir a todos, pois estava com a revista Veja e com os advogados da Abril garantindo. O Mainardi se queimou tanto com os lobbies que perdeu a serventia.

Tem também o Reinaldo Azevedo...


É outro que não tem história e volta para o limbo, terá espaço com meia dúzia de radicais. São personagens criados pelos jornais para dar dimensão aos ataques sujos que não podem fazer. Não são os responsáveis, apenas figuras menores. Lá atrás, eu falei que não queria brigar com o Reinaldo, que só cumpre o seu papel, e sim com o chefe dele.

Você não tem medo de represálias, ameaças, ou coisa pior?


Quando você entra numa dessas não pode pensar nisso. Eu já peguei muitas barras na vida. No final dos anos 80, a Folha me deixou na mão; eu tive que enfrentar esquema Sarney e até escuta telefônica em casa, e não recuei. Quando você entra, não tem jeito. Tem que ter um bom seguro de vida.

Você se arrepende?


Não! De nada! De nada! Antes de entrar nessa guerra, juntei as filhas mais velhas e a mulher e falei que iria afetar a todos. Então, pedi a opinião delas. Elas me conhecem e disseram que se eu não entrasse, não viveria, iria entrar em depressão, etc. Quando acontecem os ataques, as pessoas reagem de diversas maneiras. No meu caso, apesar de não gostar de guerra, se eu entrar numa, eu me revigoro. No auge dos ataques, eu saía com minha filha mais velha e nos sentíamos muito bem. Além do mais, saber que do outro lado existia um esquema canalha daqueles me dava uma força redobrada. Não vou deixar para minha família, meus filhos e meus amigos a ideia de uma pessoa que foi derrotada por esse jogo pesado. E isso me revigora. A família é um ponto fundamental. Não penso apenas no que deixarei de material para os filhos, mas, principalmente, nos valores que deixarei. Eu represento um país, que é um conjunto de valores transmitido de família para família. Então, a briga não é só por mim, é pela história de meus avós, meus pais, meus tios e pelo o que eu vou deixar para minhas filhas.

O que lhe dá mais trabalho, a velha mídia ou as quatro filhas? Você diz que elas são teimosas. Puxaram ao pai?


São quatro filhas e uma neta. Lá em casa, o trabalho que dá é compensador. Mas não aceitamos arrogância, não tem aquela coisa da hierarquia. Lá, quem argumentar melhor, ganha.


domingo, 26 de setembro de 2010

Grafite e cidadania

A arte de Denis Sena (Denissena) o levou a conhecer as grandes metrópoles: São Paulo, Nova Iorque, Tóquio. Mas foi no simples mercadinho de seu Zé, entre as comunidades do Cabula I e Beiru, que ele nos deu essa entrevista, fumando um charuto típico do candomblé e tomando uma cerveja gelada.
Fale-nos da sua arte.

O grafite é uma das mais antigas formas de comunicação criadas pelo homem; a técnica de pintar as paredes das cavernas é milenar. Paradoxalmente, é uma arte efêmera por natureza, pois o desenho pode estar no muro hoje e no outro dia, não mais.

Desde 1996, experimento várias linguagens artísticas, mas sempre expresso a cultura baiana com a qual me identifico. Sigo o exemplo de Caribé, que foi um dos artistas que mais representou nossa Bahia. Minha arte, assim como a dele, tem muita influência do candomblé. Graças a ela, fui a Nova Iorque, Tóquio e agora vou para Angola.

Você faz um reconhecido trabalho educacional. Como ingressou nessa atividade?

Já tenho dez anos com projetos sociais. Em 2000, me voluntariei no Projeto Cidadão que é coordenado por Antonio Jorge, presidente da associação de moradores. Resolvemos fazer isso pela carência da comunidade, pela falta de políticas públicas e por acreditarmos na ação social sem vínculos partidários. Depois dessa experiência, escolas de outras cidades nos convidaram para implantar o projeto; semana passada estive em Santo Amaro (BA).

Como funciona o projeto?

O Projeto Cidadão é uma ONG pela qual já passaram mais de 1500 jovens. Oferecemos reforço escolar e oficinas, como as de grafite, de dança, de teatro e de outras linguagens. Tínhamos oficinas todos os sábados e cheguei a ter 30 educandos por turma. Já tivemos festival de fotografias com exposição no Banco do Brasil, mas hoje, por falta de recursos e parcerias, está meio parado e temos um número pequeno de jovens. Mesmo assim, cobramos dos pais para que acompanhem o projeto. Aqui ao lado tem uma quadra de futebol de salão que é muito disputada. Organizamos campeonatos e só permitimos a participação de quem tira boas notas. Fazemos isso porque muitos pais apostam mais no talento dos filhos no futebol do que nos estudos.

Assim como a educação, a arte também não é valorizada. A mídia, que deveria informar, faz o contrário: cria estereótipos apenas para favorecer o consumo. Isso acaba com a identidade e a autoestima das pessoas. Por exemplo, o bairro do Cabula I é remanescente de quilombolas, mas os moradores nem sabem, não se divulga isso.

O Cabula I é remanescente de quilombolas. Pode nos falar mais sobre isso?

Sim, no cabula, hoje, há uma sequência de terreiros que são frutos dos quilombolas. Há, desde a Nação Ketu, o mais popular, até a Nação Angola, o mais antigo. No bairro do Beiru, aqui ao lado, também tem muitos; Beiru foi um escravo, herdeiro de uma fazenda quilombola. Nos anos 80, renomearam o bairro para Tancredo Neves, mas o movimento negro lutou para resgatar o antigo nome. Eu, particularmente, só chamo pelo original. Sei disso porque moro aqui há mais de 20 anos e conheci o movimento negro e diversos artistas que são ativistas das culturas afro-brasileiras.

De onde vem os recursos para manter o Projeto?

Os recursos vêm de editais, mas ultimamente não participamos de nenhum. Além dos voluntários, a Universidade do Estado da Bahia (Uneb) é quem mais nos apóia. Em 2003/2004, fizemos o Grafipaz, coordenado pela Doutora em educação e arte-educadora Yara Dulce. No começo, a diretora imaginava que íamos pichar o Campus todo, mas a conquistamos e mostramos que não era isso. Depois surgiram os primeiros concursos de grafite.

Vocês divulgam as atividades?

Divulgamos, principalmente, no boca a boca, mas também fazemos bate-papos nas faculdades. Na Uneb discutimos diversos temas, como o de cidadania, que envolve os direitos e deveres do cidadão, e até de meio ambiente. Aqui atrás tem uma reserva que chamamos de Horto Florestal e a universidade faz uma campanha para preservá-la. Eu já estive no Instituto Social da Bahia (ISBA), na 15ª Jornada Pedagógica. Programas de TV também gravaram aqui, já vieram o Bahia Revista e o Na Carona, da Rede Bahia. O apresentador Jony Torres me conhece; conhece o grafite de rua. Eles sempre focam nos trabalhos comunitários, pois conhecem nossa seriedade.

Já obtiveram bons resultados com as ações?

Sim, um dos antigos educandos, o Samuca, está estudando artes plásticas na UFBA. Muitos desses meninos podiam ter seguido caminhos tortuosos, mas estão aprendendo arte, apesar dos pais, muitas vezes, não darem o devido valor e o mercado em Salvador ser pequeno. O Edilson, que está aprendendo grafite e é ótimo aluno, tem seus conflitos. De vez em quando, foge de casa, mas é um bom menino e está indo bem nas técnicas.

Edilson, pode nos mostrar o que está aprendendo?

Estou apreendendo base legal de Free Style – Vômito; Traços, que são setas e letras confusas; e Bomb, em que as letras são mais arredondadas e mais fáceis de fazer. Na verdade, se praticar, nada é tão difícil. Hoje, minha vida é desenhar. Sempre penso em passar em algum lugar e ver um desenho meu.


sexta-feira, 21 de maio de 2010

Onde está o samba chula

Nascido nos grotões do Brasil, mais especificamente na região do Recôncavo Baiano, o samba, uma herança africana, rodou o mundo e se tornou símbolo da cultura brasileira. O samba chula, que é um dos pioneiros subgêneros do estilo, de acordo com a Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana, traz na receita: pitadas da dança de capoeira, das batidas dos tambores e zabumbas do candomblé e das cantorias e poesias dos sambas-de-roda. Atualmente, essa manifestação popular perdura na capital e no interior da Bahia. Porém, é desconhecida da grande maioria, devido, em grande parte, ao mercantilismo da música e, conseqüentemente, ao descaso da mídia.
Um estadunidense e ex-capoeirista, que mora no Brasil desde 1992 e mantém uma rede social de música e cultura brasileira, a Euterpédia Brasil, Randy “Pardal”, não compreende a falta de apoio aos grupos remanescentes desse samba rural: “Ainda penso em fazer um documentário, onde o cenário é a roça, com gente do povo, e não teatros elegantes como costumam fazer. Os cantadores são pessoas simples, no sentido material”, diz Pardal, inconformado. Ele sempre gostou da música brasileira, mas achava que o samba era africano, até comprar um disco de Raimundo Sodré, começar a pesquisar e ficar ainda mais encantado ao descobrir que, apesar da dura vida que levavam, os escravos brasileiros criaram “o mais alegre ritmo que ele já ouviu na vida”. 
Em uma homenagem ao Mestre Bule Bule, O professor da Universidade do Estado da Bahia, Roberto Dantas, compartilhou da preocupação de Pardal, ao discursar a favor de cantadores de samba, tocadores de zabumba, trios nordestinos e todo o cancioneiro da Bahia. “Onde eles estavam quando, nas festas de São João, só lucravam as grandes bandas? Todos devem ter o direito de espaço, como todos devem ter o direito de escolher o que escutar. É uma perversa exclusão: os trios e arrochas faturam as maiores somas, enquanto os cantadores são marginalizados e ficam acanhados entre as bandas. Há de se ter espaço para todos, sem preconceitos entre a tradição e a modernidade”, finalizou, enfático. O antropólogo e membro do Conselho estadual de Cultura, Washington Queiroz, discursou em uníssono à Dantas e ressaltou o papel do Estado para a manutenção da memória deste Brasil culturalmente plural. Ele defendeu a apreciação do projeto de lei que regulamenta a profissão do vaqueiro, e o pedido de registro no IPAC como patrimônio cultural imaterial.

Apesar das dificuldades, existem “heróis” que permanecem na luta para a perpetuação do samba chula. São os mestres, cantadores, sambadores, músicos, poetas, repentisas e vaqueiros. Entre eles, destacam-se Bule Bule, Raimundo Sodré; os grupos Samba Chula de São Braz, Filhos da Pitangueira de São Francisco do Conde e Raízes do Sertão; os mestres Ananias, João do Boi e Zeca Afonso. Alguns sequer aparecem na mídia, pois não aceitam “cangalha nem cabresto para tocar” como diz o Mestre Bule Bule. “O único cabresto que aceito é o dinheiro, mesmo assim, gasto de imediato. Quando não tenho nobremente com o que gastar, eu invento”, enunciou, um dia antes de viajar para se apresentar em Porto Alegre (RS), ao lado de Gilberto Gil.
O “Programa Cultura Viva”, do MinC, também contribui para a continuidade e evolução do samba de roda, através da parceria do IPHAN com a Associação dos Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia. Juntos, administram a “Casa do Samba”, em Santo Amaro (BA), a 76 km de Salvador, um ponto de cultura que valoriza o notório saber dos mestres do samba e onde é possível apreciar, quinzenalmente, a uma boa roda. No mês de maio, dia 15, se apresentou o grupo Samba Chula Alegria da Terra de Candeias (BA). No mesmo dia, Raimundo Sodré participou do “Bembé do Mercado”, evento que começa no dia da assinatura da Lei Áurea, dia 13, e é conhecido como o primeiro e único candomblé de rua do mundo. Quando o assunto é cultura popular, a região de Santo Amaro fervilha, porque um dos grupos mais tradicionais, o Samba Chula de São Braz, se apresenta semanalmente em uma colônia de pescadores. Lá, o Mestre João do Boi canta os versos da chula, acompanhado do miudinho, o passo de dança das sambadeiras.

Mas nem tudo é tradicional nessa riquíssima diversidade musical. A nova geração de repentistas, cantadores e poetas bebe direto da fonte e acrescenta um toque pessoal à arte. Vale a pena conhecer o trabalho do músico e cordelista Maviael Melo; do multi-instrumentalista e etnomusicólogo Cassio Nobre em parceria com Júlio Caldas no grupo Viola de Arame; e dos repentistas Pardal do Jaguaripe e Davi Nunes. Dessa forma, parafraseando Bule Bule, o samba chula “junta a fome com a vontade de comer” e une o tradicional ao moderno para atravessar as barreiras históricas e fazer história.

Links:
Trecho de Samba Chula de São Braz
Site do Samba Chula de São Braz no Euterpédia
Cassio Nobre e Viola de Arame
Site do projeto Cantador de Chula (DVD/CDs, lançado pela Associação Cultural Umbigada)
Site da Associação dos Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia
Site de Mavial Melo no Palco MP3
Samba Chula Filhos da Pitangueira e Milton Primo
Cordel Digital com Pardal do Jaguaripe
Fotos Flickr

Adriano S. Ribeiro