quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Entrevista com Luís Nassif


Mineiro de Poços de Caldas, Luís Nassif, 60, acumula no currículo as funções de jornalista, escritor, compositor, músico, consultor financeiro, blogueiro e pai de quatro meninas. No dia 1º de setembro de 2010, comemorou 40 anos de jornalismo, tendo passado pelos maiores veículos de comunicação do Brasil.



Nassif iniciou a carreira como estagiário na revista Veja, nos anos 70, onde fez grandes amigos e foi “foca” do jornalista e crítico musical Tárik de Souza. Em 1979 passou quatro anos, segundo ele inesquecíveis, no Jornal da Tarde, onde introduziu a primeira experiência de economia pessoal da imprensa nacional. Ele também se recorda dos bons momentos que teve na Folha de S. Paulo, nos anos 80, época em que o periódico tomava gerações inteiras de leitores do concorrente, O Estado de S. Paulo, e se firmava como o mais influente formador de opinião do país.

Além de ter sido editor e membro do conselho editorial da Folha de S. Paulo, na mesma época em que participou do sindicato dos jornalistas, foi também colunista nos sites IG e UOL e comentarista econômico nas TVs Cultura, Bandeirantes e Gazeta. Ele foi pioneiro no jornalismo de serviços e jornalismo eletrônico no país.

Nassif entende profundamente de economia e tecnologias diversas, também é um exímio apresentador de TV e analista político. Atualmente é blogueiro, empresário (possui uma consultoria econômica chamada Dinheiro Vivo), músico (toca bandolim em um grupo de chorinho, ritmo que adora e pesquisa), escritor (tem quatro livros publicados: A Casa da Minha InfânciaO Menino do São Benedito e Outras Crônicas, de crônicas; Os Cabeças-de-planilha e O Jornalismo dos Anos 90, de análise e história econômica) e contratado da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), onde apresenta o programa Brasilianas.org, na Rede Brasil.

Luís Nassif acumulou prêmios, escreveu livros, introduziu conceitos, desvendou mistérios, enfrentou atitudes arrogantes e, de quebra, fez inimigos. Nessa entrevista, ele falará um pouco da carreira, da vida e de alguns assuntos polêmicos relacionados à profissão, à política e à mídia.



Você também é músico e compositor. O que prefere: música ou jornalismo?


A música é fundamental para garantir a cabeça fresca para o jornalismo. Mas a resposta é jornalismo. Aos 19 anos, tive a chance de fazer carreira nos dois, mas jornalismo sempre falou mais forte. Quando eu vim para São Paulo e ganhei alguns festivais, tinha um crítico da Veja que queria que eu seguisse como compositor. Três anos depois, eu era jornalista e ele crítico culinário. Falei para ele que nenhum dos dois deu para o negócio (risos).

Você é formado em jornalismo pela Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Além disso, possui especialização em economia?


Comecei em 1975 no jornalismo econômico e me especializei em jornalismo financeiro, matemática financeira e economia pessoal. Nos anos 80, percebi que o país era muito mais amplo que a mera economia; que tem que ser construído com um conjunto de valores como educação, inovação, gestão e tecnologia.

O que aconselha a um estudante de jornalismo que quer se especializar em política e economia?


Tem que ter uma visão de país que vá além do mercado financeiro. Eu inaugurei a cobertura financeira no país, no final dos anos 80, e percebi que o Brasil é muito mais amplo que o mercado financeiro. O jornalismo te dá condições de entrar em muitos setores e você tem que ter um conhecimento específico sobre cada setor. Mais adiante, quando tiver massa crítica suficiente, poderá fazer as ligações e terá uma visão do conjunto. Não é uma visão meramente de mercado financeiro ou da questão social, por exemplo. O jornalismo te permite transitar por esses diversos setores. Sempre que você for fazer uma matéria de um setor diferente, tente identificar quem é a boa fonte e aprenda, aprenda, aprenda! Nosso trabalho é de aprender sempre.

Você acha que a população brasileira já não acredita mais na mídia tradicional e que há uma tendência de crescimento das mídias sociais?


A pessoa não acreditará mais na mídia tradicional. Ela identificará, no blogueiro A, B, ou C, aquele que tem as mesmas ideias. Haverá uma multiplicação fantástica de porta-vozes e grupos. No meu RSS (agregador de notícias), por exemplo, eu vou ter vários blogueiros de áreas específicas, numa dinâmica que a velha imprensa jamais conseguiu entender. A tendência dos movimentos sociais, dos sindicatos, das empresas e das associações empresariais, é que cada qual produza a sua notícia. Por exemplo: Se eu montar um jornal e quiser uma opinião da Central Única dos Trabalhadores (CUT), eu vou mandar um repórter ir lá, diretamente, pois o conteúdo é mais seguro do que o que eu vou ler na Folha, no Estadão ou no Globo. Isso faz parte da criação dessa nova estrutura de redes sociais geradoras de notícias, que rompe com esse monopólio de opinião que a velha mídia praticava.

Existe uma efervescência de iniciativas surgindo, como a Rádio e TV da CUT. Como você avalia isso?


É um salto de modernização extraordinário. Como eu disse, cada um vai produzir a sua notícia sem precisar pegar matéria enviesada de alguns jornais. Muda tudo. Muda a questão da política, porque hoje, no Brasil, só ganha dimensão política o que passa nos jornais. Muda a política econômica, pois quando têm as reuniões do Conselho de Política Monetária (Copom), eles só querem saber das metas de inflação. No entanto, a CUT ou o Abílio Diniz (Pão de Açúcar) conhecem muito mais de economia real do que o economista de mercado. À medida que isso vem à tona, acaba com esse poder, dos analistas financeiros, de definir o preço pra fundamentar os juros entre eles. É uma revolução sem tamanho. Mas veja bem, todos esses eventos ocorrendo, e a consagração final da blogosfera está no ataque que o Serra fez aos blogues, chamando-os de sujos. No 8º Congresso Brasileiro de Jornais, o candidato do PSDB afirmou que: “boa parte ou alguns dos blogs sujos mais importantes são mantidos inclusive com recursos da TV Brasil feita não para ter audiência, mas para criar empregos na área de jornalismo e servir como instrumento de poder em matéria de expressão e de informação para um partido basicamente". Isso é o reconhecimento de que o jogo virou.

Qual a importância do 1º Encontro Nacional dos Blogueiros Progressistas?


É bom para uniformizar o conhecimento sobre o que nós entendemos ser a internet. A internet não é ordem unida, não é movimento sindical; podem ter vários sindicatos, várias associações, mas cada qual tem sua individualidade. O que vai unir todos, são as bandeiras do direito à informação, das políticas de inclusão social, do combate à intolerância e o fortalecimento de todas essas redes sociais que estão surgindo. É importante o aprendizado de que a divergência faz parte do processo democrático. Pensar de forma diferente não torna o outro um inimigo. Então, se alguém pensa de forma diferente, vamos discutir, vamos sentar num bar ou tomar um cafezinho juntos. A lição final, que vamos dar aos “jornalões”, é mostrar que nós sabemos conviver com as divergências. Eu não concordo com algumas manifestações radicais, de querer eliminar o inimigo. Nosso jogo é de luz e não de escuridão. Temos pessoas das mais diferentes formações políticas e o importante é construir um ambiente em que caibam todos de forma respeitosa.

A qualificação dos blogueiros é um desafio a ser enfrentado, nos fale sobre isso.


É preciso dominar as ferramentas da internet. Mas nem todo blogueiro será um jornalista. Alguns querem contar as experiências pessoais, outros querem dar opiniões. Nesse amplo universo, existem alguns especializados, como o blogue da NaMaria, que é uma especialista em Diário Oficial e levanta tudo com uma competência que nunca vi um jornalista fazer. Cada área terá um especialista.

Você brigou com o jornalista da revista Veja, Diogo Mainardi?


Não tive uma briga com o Diogo Mainardi, a briga é com o chefe dele, o Roberto Civita. O Mainardi foi um mero instrumento do Civita e do José Serra, que criaram essa figura insegura. Conheci o pai dele, batia nele na frente dos colegas de publicidade. Ele tem uma história complicada, chegou aos 40 anos frustrado com a carreira; o pai quebrou. Então, o usaram para fazer os ataques. Eles pegam um sujeito sem expressão, transformam em um personagem nacional... Como Mefistófeles para Fausto: “Tudo aqui é seu desde que cumpra isso”. Ele cumpriu, agora saiu correndo do país. Ele pensou que ia ser um superjornalista, que podia destruir a todos, pois estava com a revista Veja e com os advogados da Abril garantindo. O Mainardi se queimou tanto com os lobbies que perdeu a serventia.

Tem também o Reinaldo Azevedo...


É outro que não tem história e volta para o limbo, terá espaço com meia dúzia de radicais. São personagens criados pelos jornais para dar dimensão aos ataques sujos que não podem fazer. Não são os responsáveis, apenas figuras menores. Lá atrás, eu falei que não queria brigar com o Reinaldo, que só cumpre o seu papel, e sim com o chefe dele.

Você não tem medo de represálias, ameaças, ou coisa pior?


Quando você entra numa dessas não pode pensar nisso. Eu já peguei muitas barras na vida. No final dos anos 80, a Folha me deixou na mão; eu tive que enfrentar esquema Sarney e até escuta telefônica em casa, e não recuei. Quando você entra, não tem jeito. Tem que ter um bom seguro de vida.

Você se arrepende?


Não! De nada! De nada! Antes de entrar nessa guerra, juntei as filhas mais velhas e a mulher e falei que iria afetar a todos. Então, pedi a opinião delas. Elas me conhecem e disseram que se eu não entrasse, não viveria, iria entrar em depressão, etc. Quando acontecem os ataques, as pessoas reagem de diversas maneiras. No meu caso, apesar de não gostar de guerra, se eu entrar numa, eu me revigoro. No auge dos ataques, eu saía com minha filha mais velha e nos sentíamos muito bem. Além do mais, saber que do outro lado existia um esquema canalha daqueles me dava uma força redobrada. Não vou deixar para minha família, meus filhos e meus amigos a ideia de uma pessoa que foi derrotada por esse jogo pesado. E isso me revigora. A família é um ponto fundamental. Não penso apenas no que deixarei de material para os filhos, mas, principalmente, nos valores que deixarei. Eu represento um país, que é um conjunto de valores transmitido de família para família. Então, a briga não é só por mim, é pela história de meus avós, meus pais, meus tios e pelo o que eu vou deixar para minhas filhas.

O que lhe dá mais trabalho, a velha mídia ou as quatro filhas? Você diz que elas são teimosas. Puxaram ao pai?


São quatro filhas e uma neta. Lá em casa, o trabalho que dá é compensador. Mas não aceitamos arrogância, não tem aquela coisa da hierarquia. Lá, quem argumentar melhor, ganha.