sábado, 10 de dezembro de 2011

O Rap em Salvador


Como os jovens rappers estão mudando a realidade da periferia.
Por Adriano S. Ribeiro/Fotos: Adriano S. Ribeiro

O jovem rapper Felipe Gurih grava no próprio quarto
Às quatro horas da manhã de uma sexta-feira, um acidente de trânsito deixou o bairro mais boêmio de Salvador (BA), o Rio Vermelho, sem energia, e 400 fãs de rap, que lotavam uma badalada casa de eventos, completamente no breu. Ao ser bruscamente interrompido pelo apagão, após duas horas de apresentação, o rapper Emicida foi iluminado, no palco, por celulares e câmeras fotográficas. Sem microfones, nem caixas de som, contando apenas com uma voz potente, o MC continuou cantando. A partir daí, foi o público que deu o show e, em coro a capella, recitou todos os versos da música Triunfo, puxada pelo ídolo. No final, Emicida chorou.
Emicida, iluminado pelo irmão, Fióti, no Sunshine Bar, Rio Vermelho

Três anos antes, Elimar Pereira Santos, conhecido como Nouve, na época com 18 anos, morador das Cajazeiras 10, bairro a 25 quilômetros do centro da cidade, enviava um e-mail para o já famoso Emicida. Nouve dizia ter interesse de revender, em Salvador, as camisas, discos e produtos comercializados pelo rapper em São Paulo. O precoce empreendedor já possuía experiência no ramo. 
“Naquela época, era muito difícil conseguir os CDs de rap, mas eu já vendia os de Kamau e Projota”, diz Nouve. No começo, ele negociava nas portas dos shows, mas, com o tempo, foi ficando conhecido e recebendo encomendas por telefone. “Para minha surpresa, Emicida respondeu ao meu e-mail e me tornei representante da marca”.
Nouve vende CDs na praia de Piatã

Emicida criou um laço comercial, mas também de amizade com a turma do rap baiano. “O pessoal de Salvador deveria fazer que nem o Nouve, mandar e-mail mesmo e correr atrás”, aconselha o ídolo para um grupo de admiradores, no saguão do hotel em que estava hospedado, na capital baiana. Nas duas vezes em que esteve em Salvador, em 2009 e 2011, foram os amigos soteropolitanos que abriram seus shows.
A carreira aparentemente meteórica de Emicida é um exemplo de superação. Tanto que virou um documentário, patrocinado pela maior fabricante de processadores de computador do planeta. Nascido e criado na periferia da megalópole paulista, levou dez anos no anonimato disputando batalhas de rimas, conhecidas como “freestyle”, na estação da Santa Cruz, em São Paulo. 
Ao contrário de outros artistas que seguem o percurso natural da indústria fonográfica - gravação em estúdios profissionais, prensagem em fábricas de CDs, produção de shows com empresas de eventos, impressão em gráficas, vendas nas lojas do ramo, publicidade na grande mídia, negociação dos direitos autorais nos escritórios de advocacia - Emicida fez tudo por conta própria, contando apenas com a ajuda de parentes e amigos. “Eu valorizo muito o trabalho e a amizade de todos que participam da nossa caminhada, mas sei que ainda temos muito trampo pra elevar o rap no Brasil”.
“Meus ídolos do rap são o Emicida e o Sabotage”. Essa afirmação foi proferida por Willian Reis, paulista de 38 anos, há dois radicado na Bahia. Willian foi amigo de Sabotage, um dos precursores do rap nacional, e ícone de toda uma geração. Sabotage foi assassinado em 2003, por envolvimento com o tráfico. “As bocas (de fumo) davam dinheiro; o rap, não”, explica Willian. 
Desde então, criou-se um paradoxo no mundo do hip hop, pois o movimento que pregava uma vida melhor para os favelados, não garantia nem o ganha-pão de seus integrantes. Emicida deu um basta. Um dos seus parceiros de rimas, o baiano MC DaGanja, explica que as letras das músicas de Emicida continuam carregadas de conteúdo de cunho social, “porém não é pesado, como alguns grupos que fazem gangsta rap”. É o que as torna mais aceitáveis. 
No entanto, Emicida adverte: “As iniciativas mais bem sucedidas são as que começaram com uma causa. Fazemos rap porque gostamos. Não adianta só correr atrás do dinheiro, pois podem se frustrar, depois de anos sem alcançar esse fim. A única coisa que podemos contar é com o amor das pessoas pela música”.
Emicida em Salvador, com Nouve, Rangell Santana e Fióti 

Seguindo a influência do famoso amigo paulistano, o franzino e calmo Nouve foi à luta. No colégio, escrevia versos com os colegas e participava de concursos de arte, canções e poesias. Depois, gravou alguns raps e mais tarde um CD. “Hoje, Nouve vende os discos dele até na praia”, diz Rangell Santana, do grupo Versu2.

Versu2
Coscarque e Rangell Santana, da Versu2

Rangell Santana é músico e designer. Há 15 anos atuando no cenário hip hop de Salvador, ficou conhecido como MC Rangell Blequimobiu. Ele explica que o hip hop é constituído por vários elementos – o rap (a música falada com rimas); o grafite (a expressão gráfica pintada nas ruas); o break (a dança de rua); o DJing (a escolha das músicas nas festas); o beatmaker (a produção das batidas do rap); o estilo (moda e gírias), e os designers (geralmente grafiteiros que criam sites e peças gráficas), além  de artistas visuais de cinema, que produzem os videoclipes de rap. 
Com tantos elementos, Rangell montou uma produtora, chamada Positivoz. Juntou pessoas de diversas áreas com o interesse comum em difundir a arte. No começo, investiram na carreira de amigos, como o MC DaGanja, focando depois no  grupo Versu2, formado por ele, Coscarque e DJ Gug. “No show, quem aparece no palco somos nós três, mas tudo só acontece graças ao coletivo que trabalha nos bastidores organizando desde a produção dos CDs, até a venda dos ingressos”, diz Rangell. 
Coletivo Positivoz organiza os detalhes do show de Emicida em Salvador

O rap na Bahia
O rap não é novidade na Bahia. MC DaGanja lembra do Coletivo Gamboa de Baixo, que já existia em 1993. Os pioneiros, como Lázaro Êre, Rangel Blequimobiu, Quilombo Vivo e Império Negro ultrapassaram barreiras que pareciam intransponíveis. “O DJ Bandido, do Quilombo Vivo, tocou até no exterior”, ressalta. DJ Branco, outro desbravador, tem um programa de rádio sobre hip hop na Educadora FM. Mas são os mais jovens, de vários locais da cidade, inclusive de bairros mais abastados, como Rio Vermelho e Imbuí, que enchem os encontros de MCs. “Todo dia aparece um garoto produzindo rap”, diz Rangell. Eles aproveitam a casa cheia, nos shows das estrelas como o Emicida, para vender e divulgar os próprios trabalhos, gravados em casa ou em estúdios de garagem. “Usamos muito as redes sociais para anunciar os eventos, às vezes a mídia tradicional, mas o forte da propaganda é a rua mesmo, com panfletagem e de boca em boca”, diz Rangell.
O doutor em antropologia e professor de comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Renato Silveira, pesquisador de mídia e cultura, considera o movimento hip hop da Bahia importante e mobilizador, e acredita que a tendência é de crescimento. Ele compara com outro fenômeno que explodiu a partir dos bairros populares, o pagode, hoje um negócio lucrativo com produções modernas e gestão empresarial.
Os jovens Evilásio Cruz e Lefs Rap vendem CDs caseiros em show de rap

A nova geração do hip hop baiano já vem preparada com os acessórios necessários para deslanchar. Por toda a cidade pululam grupos de MCs nas batalhas de rimas; de B-boys, concorrendo pelos melhores passes de street dance; de Beatmakers, produzindo a batida perfeita, e de grafiteiros buscando mais espaço para as intervenções. Eles estão espalhados pelos bairros mais distantes do centro como Cajazeiras, Fazenda Grande e Águas Claras, mas sem preconceito com os que moram nas regiões de classe média como Imbuí, Pituaçu e Itapuã. O movimento também se estende às cidades circunvizinhas, com uma cena forte em Portão e em Lauro de Freitas.
Daqui em diante, resta aguardar para saber o que acontecerá com o hip hop na terra do candomblé. “Já estou articulando a minha produtora”, diz o jovem e já veterano rapper Nouve. Ele e os parceiros das “quebradas” trocam várias experiências de beats. Nesse meio, se destacou um dos garotos mais talentosos. Com 17 anos, Felipe Gurih sequer toca um instrumento, mas no seu computador pessoal, com alguns anos de uso, cria uma verdadeira orquestra virtual. 
Usando um software específico, o Fruitloops, Gurih, sozinho, produziu um rap. Ele compôs a letra, “sampleou” a batida, mixou, gravou a voz, “masterizou” e, de quebra, filmou um videoclipe para postar no Youtube, tudo isso aos 15 anos de idade. Hoje, com dezenas de milhares de cliques no site de compartilhamento de vídeo, Gurih produz outros MCs e se prepara para gravar o próprio CD.
Felipe Gurih
Links:
Clipe da música Triunfo, de Emicida
Clipe de Felipe Gurih, feito aos 15 anos
MC Nouve, Velhos Tempos
Sabotage - Rap é Compromisso
Felipe Gurih - O que ela tem
Império Negro - Desabafo do Trabalhador
Nova Saga - Celular

terça-feira, 21 de junho de 2011

Bahia sediará III Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas

Em meio a uma diversidade de opiniões na plenária de encerramento do II Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas (BlogProg), em Brasília, neste domingo, 19, uma das poucas decisões unânimes foi a escolha da sede do evento, em maio 2012, na Bahia.
O blogueiro baiano Dimas Roque (Notícias do Sertão) previu esse resultado antes mesmo do início da votação. De acordo com Dimas, “inclusive os companheiros do Rio de Janeiro (o outro estado candidato) sinalizaram preferir Salvador (BA) como sede para o próximo encontro”. Os integrantes da delegação da Bahia disseram sentir como o Estado é querido em todo o Brasil. Além disso, a rapidez na organização do evento regional, que precedeu o nacional, também causou boa impressão aos participantes das outras regiões. ”A Bahia, apesar do pouco tempo que teve para preparar tudo, fez um belo trabalho, e, além disso, teve o apoio da Secretaria de Comunicação do Estado”, disse o idealizador do BlogProg, o jornalista Altamiro Borges, conhecido como Miro. Os baianos comemoraram a escolha e reconheceram a vitória obtida com o esforço mútuo.
Comissão baiana no II BlogProg
Nas mais de seis horas seguidas de debates, que aconteceram no auditório da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC), para se chegar ao texto final da carta do II Blogprog, divulgada nesta segunda-feira, 20, apenas a escolha do blogueiro do ano foi tão consensual quanto a decisão da Bahia como local do III encontro. O homenageado, Ênio Barroso (O PTrem das treze), foi um dos responsáveis pela ida do ex-presidente Lula ao evento. Emocionado, Ênio recebeu as congratulações do seu antecessor, Sr. Cloaca, do Cloaca News. “Ninguém pode brilhar quando só brilha um, apenas quando brilham todos”, disse Ênio, bastante aplaudido.

Ênio Barroso se emociona com homenagem
Além da mensagem deixada por Ênio, outra foi repetida inúmeras vezes. A de que os blogueiros precisam se mobilizar para alcançar os objetivos declarados na carta, a favor da luta pela democratização das comunicações no país. Todos se uniram para finalizar o texto que cobra a aprovação do novo Marco Regulatório dos meios de comunicação; do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL); e a garantia de liberdade na internet. Os mais experientes como o ex-ministro José Dirceu, a deputada Luiza Erundina (PSB) e o ex-presidente Lula concordaram que apenas com o apoio da sociedade o governo terá forças para cobrar os direitos de todo cidadão. “O ministro sozinho não dá conta de aprovar a PL 116, e o monopólio das comunicações não quer concorrência. É hora dos blogs darem um grande salto e partir para a mobilização”, disse Dirceu.

Mesa de política, com José Dirceu e Brizola neto
Marco Biruel, de São José dos Campos (SP), blogueiro presente em Brasília, é um dos que anteveem uma nova era de compartilhamento da informação entre os internautas progressistas do Brasil. Criador de um site colaborativo, Teia Livre, Biruel explicou a necessidade de se manter a “horizontalidade do movimento”. Para o paulista, o momento de crescimento por que passa o país, com uma grande massa se conectando a rede, precisa ser aproveitado pelos blogueiros. “Temos a responsabilidade de manter essa nova classe bem informada, antes que a velha mídia o faça” disse Biruel. A não verticalidade do movimento era consenso entre a maioria. O deputado Brizola Neto (PDT) falou, na oficina autogestionada, do dia 18, que a rede ainda é elitizada e que haverá uma grande batalha entre a “pequena trincheira dos blogueiros contra o canhão dos grandes meios”. Em consonância a esse discurso, o jurista Fábio Konder Comparato deu exemplos de dificuldades enfrentadas para se obter direito de resposta dos ”oligopólios” da comunicação. Erundina completou dizendo que todas as grandes reformas sociais, como a Reforma Agrária, por exemplo, só avançarão quando o poder da informação for desconcentrado.

Marco Biruel (de pé), do Teia Livre
Mas muitos pontos polêmicos continuaram sem definição. “Em um movimento plural como esse, é normal haver discordâncias”, afirmou Altamiro Borges. Niara de Oliveira (Pimenta com limão), de Pelotas (RS), representante da blogosfera feminista, falou da desigualdade social, racial e sexual que ela identificou no próprio evento. Apesar da diversidade de pessoas provenientes de todos os cantos do país, ela chamou a atenção para a preeminência de “homens brancos” na articulação do Blogprog. Rumba Gabriel (Agência de Notícias das Favelas - ANF), do Rio de Janeiro (RJ), também disse que gostaria de ter visto mais representantes dos morros e periferias. A resposta de Miro foi a de que o movimento vai mudando com o tempo e adquirindo legitimidade na sociedade. “É bom que tenha polêmica, sem predominância de um pensamento único”, disse. Ele falou que a comissão nacional não funciona como uma direção ou uma coordenação, e que tudo é na base da votação. Esclareceu, ainda, que existem entidades patrocinadoras e de apoio ao encontro, como a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), que esteve aberta à conversa. “Mas muitos dos recursos do governo são também disponibilizados para outras entidades, como a Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ), para eventos similares a esse. Por que não patrocinar um movimento social como o nosso”? Questionou, Miro. E completou: “A reivindicação de patrocínio não compromete a nossa independência, a Veja e a Globo, por exemplo, recebem muito apoio e, no entanto, batem no governo”, finalizou.

Rumba Gabriel - ANF
Contudo, muitos pontos positivos foram destacados. Além da presença de Lula no BlogProg que, como um astro, foi cercado por dezenas de repórteres e admiradores e despontou como atração principal para os mais de 500 presentes (349 inscritos), Miro ressaltou a importância que o ex-presidente deu aos blogueiros e tuiteiros no seu discurso. No Twitter, o presidente do Peru, Ollanta Humala, também homenageou os presentes, que contaram com a participação dos articuladores da campanha presidencial peruana em uma oficina autogestionada. Por fim, foi divulgado o projeto para o Seminário Internacional de Blogueiros, em Foz do Iguaçu, previsto para setembro, com Julian Assange (WikiLeaks), entre os convidados; e a criação do fundo de apoio jurídico aos blogueiros perseguidos, apoiado por uma ONG global de Direitos Humanos.
Lula fala aos blogueiros
“A Bahia tem o desafio de organizar um encontro melhor do que o de Brasília”, disse Miro, advertindo a comissão baiana. O jornalista falou que se houver hierarquização na escolha dos organizadores sem uma renovação dos membros o movimento poderá sofrer prejuízos. Miro anunciou a saída de Luís Nassif, Luiz Carlos Azenha e Diego Casais da comissão nacional e agradeceu pela ajuda desprendida pelos aguerridos blogueiros no ano anterior e, em contrapartida, divulgou a inclusão do jornalista Leandro Fortes (Carta Capital) e a eleição de novos representantes de todas as regiões do país.


 Altamiro Borges

segunda-feira, 11 de abril de 2011

O preconceito contra o islamismo


Sete de abril de 2011 foi um dia de luto para os parentes e amigos das vítimas de Wellington Menezes de Oliveira, 23, autor do atentado na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro (RJ). Mas foi também um dia de consternação para quem acompanhava a grande mídia. Às oito horas da manhã daquela fatídica quinta-feira, o atirador, armado com dois revólveres e muita munição, disparou contra dezenas de crianças que ele sequer conhecia. Menos de três horas depois do massacre os principais veículos nacionais destacaram, nas primeiras páginas dos seus portais, o que motivou tamanha brutalidade.
Nas manchetes, com letras garrafais, se ensaiava o gancho para a próxima grande notícia que pautaria os noticiários: o assassino de criancinhas estava a serviço do Islã.
Mas como se chegou a essa sentença tão preliminarmente?
Wellington premeditou o crime. Em seus planos sombrios, ele próprio sairia sem vida da operação. Preparou uma carta instruindo como deveria ser o próprio velório. Nela dizia que não queria ser tocado por impuros. Também escreveu que deveriam despi-lo e enrolá-lo em um lençol branco antes de ser colocado no caixão. Depois, pediu pelo perdão de Deus, narrou a volta de Jesus e fantasiou o despertar de seu sono. Em outro parágrafo, expressou o desejo para que doassem seus bens para instituições que cuidavam de animais abandonados. O texto, confuso, parecia saído de uma mente insana, com crenças bem particulares.
No calor dos acontecimentos, o coronel Djalma Beltrame, em entrevista à Globo News, às 10h40min, descreveu as primeiras impressões da tragédia. “Parece que é a ação de um alucinado, de uma pessoa fundamentalista, que acessa sites de muçulmanos, islâmicos”, disse. O coronel afirmou que só alguém sem espírito cristão poderia fazer uma loucura daquelas. Ele ainda confirmou que o texto era sem sentido, e que o conteúdo nem poderia ser classificado como religião. Beltrame entregou a carta diretamente ao delegado responsável pelo caso, para que fosse averiguada.
Na ânsia pelo furo, os repórteres saíram à caça de mais informações. Por volta das 11 horas, o jornalista Ricardo Boechat, da Band News, divulgou a gravação de uma conversa com a irmã de criação do assassino, Rosilane de Oliveira. Eles se falaram ao telefone, e o entrevistador queria mais detalhes do atirador. O experiente repórter questionou, de antemão, se Wellington era muçulmano. A essa altura, um especialista da Globo News associava até a vestimenta do assassino ao islamismo. No entanto, Wellington trajava um coturno e uma camisa social de manga longa verde, que mais lembrava um militar.
A moça, nitidamente nervosa, confirmou vacilante. “Ele (Wellington) era estranho; falava besteiras. Negócio de muçulmano, essas coisas”. A resposta foi vaga e evasiva. Com mais propriedade, ela explicou que a mãe, já morta, era Testemunha de Jeová, porém o irmão não seguia mais aquela religião. Além disso, ele era muito reservado e só vivia no computador, isolado.
Foi assim que, por volta das 11 horas, a Band News publicou a seguinte manchete: “Tragédia em Realengo: Ele tinha relação com o islamismo, diz irmã do atirador”.
A novidade repercutiu no UOL, com o título:
“Irmã de atirador diz que ele era ligado ao Islamismo e não saia muito de casa; ele deixou carta suicida”.
Como em um estouro de manada, outros grandes veículos publicaram como fato o que carecia de comprovação. Citaram como fontes as entrevistas da Globo News e da Band News. Entre os portais nacionais destacou-se o Estadão, com o uso de letras amarelas que luziam num macabro fundo preto. Em minutos, as suposições se espalharam pelo mundo através da agencia de notícias Reuters, e de jornais europeus.
O ato irresponsável, e aparentemente não orquestrado, incentivou manifestações de intolerância religiosa nas redes sociais. A Constituição brasileira, que garante a liberdade de religiões, foi ignorada. Dias depois, a teoria foi desmontada aos poucos por especialistas, teólogos, representantes e estudiosos de várias religiões. A polícia ainda investiga o caso, mas tudo indica que a motivação do jovem atirador foi conseqüência de delírios esquizofrênicos de uma mente psicótica.
É importante que essa triste história sirva de exemplo aos demais jornalistas. Que a profissão seja exercida com mais responsabilidade, respeitando os compromissos éticos e sociais. Que se aceite as diferenças e se repila o pensamento único, estereotipado. O racismo e a discriminação, ao contrário do que grupos elitistas e preconceituosos apregoam, engessam a livre expressão. As notícias que abordam as minorias de raça, de gênero, de religião ou de orientação sexual, podem e devem ser debatidas. No entanto, exige-se cuidado redobrado na apuração e na divulgação, pela fragilidade dos envolvidos. Usar o preconceito para vender jornal é, no mínimo, inaceitável.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Comunidade do Conjunto ACM - Cabula I - 2010 - Parte 01

Comunidade do Conjunto ACM - Cabula I - 2010 - Parte 02

Como Denissena e o Projeto Cidadão mudaram o visual do Cabula I



Denissena e educandos do Projeto Cidadão

O ano era 2000, numa região a cinco quilômetros de Salvador (BA), chamada Cabula I. Denis Sena, mais conhecido como Denissena, 34, e Zeze Olukemi, 29, grafitaram o muro da entrada do Conjunto Habitacional Antônio Carlos Magalhães (Conjunto ACM). A pintura chocava, pois retratava uma mulher nua, com as pernas abertas, dando à luz várias crianças. “O que mais chamava a atenção eram os bebês, que evoluíam e se transformavam em jovens empunhando armas de fogo”, conta Zeze, companheiro de Sena e cúmplice na operação, que gerou mal-estar com um polêmico político, morador do bairro. Na época, todos estavam acostumados com as paredes pintadas por grafiteiros. Apesar de a linguagem ser nova, e a tribo urbana, incipiente, o local era um ponto de livre expressão para eles. No entanto, o desenho da gestante foi prontamente censurado pelo vereador Antônio Carlos Silva Souza (PRP), conhecido como “Bomba”, que não gostou do que viu e deu ordens para apagar. Sem se intimidar, Denis refez a arte, um pouco menor, mas com o mesmo apelo. Dessa vez, ele estava acompanhado por um grupo de crianças e jovens aprendizes da ONG Projeto Cidadão, do Cabula I. “A pintura continua lá, até hoje. Bomba teve que acatar a vontade da maioria”, conta Zeze.

Uma década mais tarde, em um restaurante no Caminho das Árvores, requintado bairro de Salvador, outro grupo, de artistas e profissionais das artes plásticas, prestigiava um vernissage do colega Denis. O menino raquítico, que iniciou a carreira dando aulas para crianças carentes, na ONG Projeto Cidadão, agora, recepcionava os convidados da mostra Meus Heróis, evento de divulgação do projeto intitulado Graffiti de Rua na Galeria, patrocinado pelos Correios. O evento ocorreu paralelamente a outra exposição do grafiteiro, no Espaço Caixa Cultural, da Caixa Econômica Federal. Alguns dias antes, Denis estava na África, expondo em Angola.

Esses dez anos de criação levaram o grafiteiro baiano a conhecer as grandes metrópoles do mundo: São Paulo, Nova Iorque, Tóquio. Mas foi no simples mercadinho de seu Zé, entre as comunidades do Cabula I e Beiru, que, bem à vontade, falou da vida e da carreira, fumando um charuto típico do candomblé e tomando uma cerveja gelada.

Zeze Olukemi, no evento de Sena

“O grafite é uma das mais antigas formas de comunicação criadas pelo homem. A técnica de pintar as paredes das cavernas é milenar. Paradoxalmente, é uma arte efêmera por natureza, pois o desenho pode estar no muro, hoje, e, no outro dia, não estar mais lá”, diz Denis. Ele experimenta várias linguagens artísticas, mas sempre expressa a cultura baiana, com a qual se identifica. O candomblé é uma grande influência nos desenhos que faz, seguindo o exemplo do ídolo, o artista Caribé.

Em 2000, Denissena foi voluntário no Projeto Cidadão, coordenado por Antônio Jorge, atual presidente da associação de moradores do Conjunto ACM. Resolveu ingressar nessa empreitada pela carência da comunidade e por sentir falta de políticas públicas na região. Ele e Antônio Jorge sempre acreditaram na ação social sem vínculos partidários. Depois dessa experiência, escolas de outras cidades os convidaram para implantar projetos semelhantes. “Em Amargosa (BA), crianças de outras escolas pulavam o muro para participar do programa”, diz o coordenador.

Antônio Jorge, 45, pedagogo, conhecido como “Toinho”, é presidente da associação de moradores do Conjunto ACM, que existe há 38 anos. Ele afirma que não se recandidatará ao cargo este ano, pois pretende fazer pós-graduação, relacionada ao meio ambiente. "A alternância na presidência é saudável e democrática. Se não existisse a oposição, eu acabaria me acomodando”, diz. Ele rechaça o clientelismo e proselitismo da politicagem. “Para um político entrar aqui, tem que pedir licença à comunidade”. Contudo, a ONG, mesmo carecendo de recursos, será tocada normalmente. Antônio Jorge tenta, a todo custo, reverter a ausência do Estado na comunidade. “Eu crio políticas de inclusão social, com a ajuda dos voluntários da ONG e dos moradores do conjunto”.

O pedagogo conta que entrou no páreo para assumir a presidência da associação ao saber que “Bomba” era o candidato da oposição. Como achava que o político não resolveria os problemas da comunidade, resolveu lançar a própria candidatura, da noite para o dia. Confeccionou panfletos e, com um grupo de amigos, colocou-os debaixo das portas dos moradores. Resultado: mais de 50% de votos a seu favor. Ele explica que, mesmo com o curto tempo que teve para a campanha, a vitória foi resultado de um trabalho “feito aos poucos e começando de baixo”. Ele ainda dá uma lição ao vereador: “É preciso saber fazer a diferença na comunidade e levar isso para o resto da sociedade”.


Antônio Jorge, fundador do Projeto Cidadão

Sr. Josias de Almeida, um dos mais antigos moradores do conjunto, atesta a seriedade de Antônio Jorge no que concerne aos trabalhos comunitários e da associação. “Ele gosta de tudo certinho”, garante. Os jovens também o citam como uma referência naquelas bandas.

O Conjunto ACM é como um oásis na região, rodeado pelos bairros Beiru, Engomadeira, Arraial do Retiro, Barreiras e Mata Escura, todos com estruturas urbanísticas deficitárias. A disputada quadra poliesportiva e o espaçoso jardim atraem toda a população das adjacências. “A molecada é que mais gosta e se beneficia”, completa Antônio Jorge. Ele dá o exemplo de Samuca, que começou como educando do projeto e depois se tornou professor. “Atualmente, o garoto está cursando Artes Plásticas na UFBA”, gaba-se.

Samuca, morador da Boca do Rio, conheceu a ONG em 2003, quando leu na agenda da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb) sobre os trabalhos de Denissena, no Cabula I. “Fui atrás e me inscrevi como aprendiz, depois virei professor”, conta o estudante da UFBA. Samuca relembra que, naquele tempo, fazer grafite era muito mais difícil. “Além de ser uma atividade cara e sem reconhecimento, éramos confundidos com vândalos”, diz.

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Sobre o Projeto Cidadão

O Instituto para Educação, Cultura e Desenvolvimento (Projeto Cidadão) foi fundado em cinco de Janeiro de 2000, com o propósito de dar às crianças, adolescentes e jovens da comunidade do Cabula I e redondezas a oportunidade de participarem de oficinas orientadas por educadores sociais ou arte-educadores, fora do horário da escola.

A instituição é uma Oscip: Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Lei 9790/99). Trata-se de uma ONG com certificado emitido pelo poder público, em que se pode contratar pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). As Oscips são financiadas pelo Estado ou pela iniciativa privada, e não têm fins lucrativos.

Nos dez anos de funcionamento, mais de 1500 jovens fizeram oficinas de teatro, fotografia, dança de salão, dança moderna, futebol, futsal, grafite, artesanato, porcelana fria, artes, desenho artístico, artes plásticas, capoeira, percussão e reforço escolar.

Os recursos para manter a ONG são provenientes de editais e de voluntários. A divulgação se dá, principalmente, no boca a boca, e também em palestras e apresentações em universidades. “Já saíram algumas matérias e notas na TV e nos jornais”, diz Toinho.


Foto divulgação - Projeto Cidadão
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A trajetória artística e profissional de Denissena se mistura com a história da ONG. Ele admite que os concursos de grafite, organizados pelo parceiro Antônio Jorge, lhe deram muita visibilidade. “Realizamos diversas intervenções, diversos eventos, resultando numa projeção do meu trabalho. Mas também foi uma luta diária, e é por isso que eu me autodenomino um operário cultural”, diz Sena. “Venho de uma família de origem simples, periférica, mas que me deu o essencial, educação e amor. Hoje, eu passo esses mesmos valores para a comunidade: de que a família precisa estar presente no convívio com os meninos”. Denis se lembra da vez em que ganharam o primeiro concurso de grafite, patrocinado pela Entursa. “Dividimos o prêmio de 10 mil reais entre os 10 grafiteiros que participaram, em 2003. No segundo ano, já éramos 20”, recorda.

A artista plástica Ana Paula Rios elogia o trabalho de Sena. “Desde 1996, ele experimenta diversas linguagens artísticas para expressar sua identificação com a cultura baiana, marcada pelas raízes negras africanas e por um discurso em defesa de valores como liberdade, paz e consciência social. Ele é um artista inquieto, que usa a rua e materiais incomuns, como lixo reaproveitado, como suporte para suas obras”. Além da participação de Sena no Projeto Cidadão, Ana Paula destaca outro trabalho dele no campo da arte-educação. “Ele foi instrutor de grafite no Projeto Abrindo Espaços, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), no ano de 2002”.

A diretora da Escola Municipal Cabula I, Eugênia Reis, recorda-se de quando a TV Aratu esteve no estabelecimento para gravar um programa sobre artes e projetos sociais, com Denis. “Ele ensinava professores e alunos a fazerem trabalhos de reciclagem com garrafas PET. Foi o primeiro contrato oficial que assinou com um órgão público”, orgulha-se Eugênia. “Através da arte, ele conheceu até o Brooklin , bairro de Nova Iork, nos Estados Unidos”, frisou. Denis esteve em Nova Iork, onde deu palestras em oito universidades, com o objetivo de divulgar o projeto Salvador Graffita, desenvolvido pela prefeitura de Salvador, em parceria com 43 grafiteiros.

Quem chega ao Conjunto ACM percebe que é um lugar diferente. Os muros pintados pela trupe do Projeto Cidadão mudaram o visual do Cabula I e são uma marca registrada do local. Em Salvador, é comum citar pontos de referência, pois a sinalização é precária e muitas residências não são numeradas. É assim que Denis explica como chegar à sua casa. “Depois da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), siga pela Estrada das Barreiras; ao visualizar uma parede grafitada, vire à esquerda”. Cada muro desenhado naquela região tem uma história. Basta dar uma volta de carro com Denis para ficar sabendo de cada uma delas. “Esse muro foi meu aluno que fez”, aponta, orgulhoso. “Muitos desses meninos podiam ter seguido caminhos tortuosos, mas estão aprendendo arte”, completa. Edilson Rocha, 15, mostra as técnicas de Free Style que está aprendendo com o mestre. “Hoje, minha vida é desenhar. Sempre penso em passar em algum lugar e ver um desenho meu”, orgulha-se.


Edilson mostra a técnica "Bomb"de grafite


quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Entrevista com Luís Nassif


Mineiro de Poços de Caldas, Luís Nassif, 60, acumula no currículo as funções de jornalista, escritor, compositor, músico, consultor financeiro, blogueiro e pai de quatro meninas. No dia 1º de setembro de 2010, comemorou 40 anos de jornalismo, tendo passado pelos maiores veículos de comunicação do Brasil.



Nassif iniciou a carreira como estagiário na revista Veja, nos anos 70, onde fez grandes amigos e foi “foca” do jornalista e crítico musical Tárik de Souza. Em 1979 passou quatro anos, segundo ele inesquecíveis, no Jornal da Tarde, onde introduziu a primeira experiência de economia pessoal da imprensa nacional. Ele também se recorda dos bons momentos que teve na Folha de S. Paulo, nos anos 80, época em que o periódico tomava gerações inteiras de leitores do concorrente, O Estado de S. Paulo, e se firmava como o mais influente formador de opinião do país.

Além de ter sido editor e membro do conselho editorial da Folha de S. Paulo, na mesma época em que participou do sindicato dos jornalistas, foi também colunista nos sites IG e UOL e comentarista econômico nas TVs Cultura, Bandeirantes e Gazeta. Ele foi pioneiro no jornalismo de serviços e jornalismo eletrônico no país.

Nassif entende profundamente de economia e tecnologias diversas, também é um exímio apresentador de TV e analista político. Atualmente é blogueiro, empresário (possui uma consultoria econômica chamada Dinheiro Vivo), músico (toca bandolim em um grupo de chorinho, ritmo que adora e pesquisa), escritor (tem quatro livros publicados: A Casa da Minha InfânciaO Menino do São Benedito e Outras Crônicas, de crônicas; Os Cabeças-de-planilha e O Jornalismo dos Anos 90, de análise e história econômica) e contratado da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), onde apresenta o programa Brasilianas.org, na Rede Brasil.

Luís Nassif acumulou prêmios, escreveu livros, introduziu conceitos, desvendou mistérios, enfrentou atitudes arrogantes e, de quebra, fez inimigos. Nessa entrevista, ele falará um pouco da carreira, da vida e de alguns assuntos polêmicos relacionados à profissão, à política e à mídia.



Você também é músico e compositor. O que prefere: música ou jornalismo?


A música é fundamental para garantir a cabeça fresca para o jornalismo. Mas a resposta é jornalismo. Aos 19 anos, tive a chance de fazer carreira nos dois, mas jornalismo sempre falou mais forte. Quando eu vim para São Paulo e ganhei alguns festivais, tinha um crítico da Veja que queria que eu seguisse como compositor. Três anos depois, eu era jornalista e ele crítico culinário. Falei para ele que nenhum dos dois deu para o negócio (risos).

Você é formado em jornalismo pela Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Além disso, possui especialização em economia?


Comecei em 1975 no jornalismo econômico e me especializei em jornalismo financeiro, matemática financeira e economia pessoal. Nos anos 80, percebi que o país era muito mais amplo que a mera economia; que tem que ser construído com um conjunto de valores como educação, inovação, gestão e tecnologia.

O que aconselha a um estudante de jornalismo que quer se especializar em política e economia?


Tem que ter uma visão de país que vá além do mercado financeiro. Eu inaugurei a cobertura financeira no país, no final dos anos 80, e percebi que o Brasil é muito mais amplo que o mercado financeiro. O jornalismo te dá condições de entrar em muitos setores e você tem que ter um conhecimento específico sobre cada setor. Mais adiante, quando tiver massa crítica suficiente, poderá fazer as ligações e terá uma visão do conjunto. Não é uma visão meramente de mercado financeiro ou da questão social, por exemplo. O jornalismo te permite transitar por esses diversos setores. Sempre que você for fazer uma matéria de um setor diferente, tente identificar quem é a boa fonte e aprenda, aprenda, aprenda! Nosso trabalho é de aprender sempre.

Você acha que a população brasileira já não acredita mais na mídia tradicional e que há uma tendência de crescimento das mídias sociais?


A pessoa não acreditará mais na mídia tradicional. Ela identificará, no blogueiro A, B, ou C, aquele que tem as mesmas ideias. Haverá uma multiplicação fantástica de porta-vozes e grupos. No meu RSS (agregador de notícias), por exemplo, eu vou ter vários blogueiros de áreas específicas, numa dinâmica que a velha imprensa jamais conseguiu entender. A tendência dos movimentos sociais, dos sindicatos, das empresas e das associações empresariais, é que cada qual produza a sua notícia. Por exemplo: Se eu montar um jornal e quiser uma opinião da Central Única dos Trabalhadores (CUT), eu vou mandar um repórter ir lá, diretamente, pois o conteúdo é mais seguro do que o que eu vou ler na Folha, no Estadão ou no Globo. Isso faz parte da criação dessa nova estrutura de redes sociais geradoras de notícias, que rompe com esse monopólio de opinião que a velha mídia praticava.

Existe uma efervescência de iniciativas surgindo, como a Rádio e TV da CUT. Como você avalia isso?


É um salto de modernização extraordinário. Como eu disse, cada um vai produzir a sua notícia sem precisar pegar matéria enviesada de alguns jornais. Muda tudo. Muda a questão da política, porque hoje, no Brasil, só ganha dimensão política o que passa nos jornais. Muda a política econômica, pois quando têm as reuniões do Conselho de Política Monetária (Copom), eles só querem saber das metas de inflação. No entanto, a CUT ou o Abílio Diniz (Pão de Açúcar) conhecem muito mais de economia real do que o economista de mercado. À medida que isso vem à tona, acaba com esse poder, dos analistas financeiros, de definir o preço pra fundamentar os juros entre eles. É uma revolução sem tamanho. Mas veja bem, todos esses eventos ocorrendo, e a consagração final da blogosfera está no ataque que o Serra fez aos blogues, chamando-os de sujos. No 8º Congresso Brasileiro de Jornais, o candidato do PSDB afirmou que: “boa parte ou alguns dos blogs sujos mais importantes são mantidos inclusive com recursos da TV Brasil feita não para ter audiência, mas para criar empregos na área de jornalismo e servir como instrumento de poder em matéria de expressão e de informação para um partido basicamente". Isso é o reconhecimento de que o jogo virou.

Qual a importância do 1º Encontro Nacional dos Blogueiros Progressistas?


É bom para uniformizar o conhecimento sobre o que nós entendemos ser a internet. A internet não é ordem unida, não é movimento sindical; podem ter vários sindicatos, várias associações, mas cada qual tem sua individualidade. O que vai unir todos, são as bandeiras do direito à informação, das políticas de inclusão social, do combate à intolerância e o fortalecimento de todas essas redes sociais que estão surgindo. É importante o aprendizado de que a divergência faz parte do processo democrático. Pensar de forma diferente não torna o outro um inimigo. Então, se alguém pensa de forma diferente, vamos discutir, vamos sentar num bar ou tomar um cafezinho juntos. A lição final, que vamos dar aos “jornalões”, é mostrar que nós sabemos conviver com as divergências. Eu não concordo com algumas manifestações radicais, de querer eliminar o inimigo. Nosso jogo é de luz e não de escuridão. Temos pessoas das mais diferentes formações políticas e o importante é construir um ambiente em que caibam todos de forma respeitosa.

A qualificação dos blogueiros é um desafio a ser enfrentado, nos fale sobre isso.


É preciso dominar as ferramentas da internet. Mas nem todo blogueiro será um jornalista. Alguns querem contar as experiências pessoais, outros querem dar opiniões. Nesse amplo universo, existem alguns especializados, como o blogue da NaMaria, que é uma especialista em Diário Oficial e levanta tudo com uma competência que nunca vi um jornalista fazer. Cada área terá um especialista.

Você brigou com o jornalista da revista Veja, Diogo Mainardi?


Não tive uma briga com o Diogo Mainardi, a briga é com o chefe dele, o Roberto Civita. O Mainardi foi um mero instrumento do Civita e do José Serra, que criaram essa figura insegura. Conheci o pai dele, batia nele na frente dos colegas de publicidade. Ele tem uma história complicada, chegou aos 40 anos frustrado com a carreira; o pai quebrou. Então, o usaram para fazer os ataques. Eles pegam um sujeito sem expressão, transformam em um personagem nacional... Como Mefistófeles para Fausto: “Tudo aqui é seu desde que cumpra isso”. Ele cumpriu, agora saiu correndo do país. Ele pensou que ia ser um superjornalista, que podia destruir a todos, pois estava com a revista Veja e com os advogados da Abril garantindo. O Mainardi se queimou tanto com os lobbies que perdeu a serventia.

Tem também o Reinaldo Azevedo...


É outro que não tem história e volta para o limbo, terá espaço com meia dúzia de radicais. São personagens criados pelos jornais para dar dimensão aos ataques sujos que não podem fazer. Não são os responsáveis, apenas figuras menores. Lá atrás, eu falei que não queria brigar com o Reinaldo, que só cumpre o seu papel, e sim com o chefe dele.

Você não tem medo de represálias, ameaças, ou coisa pior?


Quando você entra numa dessas não pode pensar nisso. Eu já peguei muitas barras na vida. No final dos anos 80, a Folha me deixou na mão; eu tive que enfrentar esquema Sarney e até escuta telefônica em casa, e não recuei. Quando você entra, não tem jeito. Tem que ter um bom seguro de vida.

Você se arrepende?


Não! De nada! De nada! Antes de entrar nessa guerra, juntei as filhas mais velhas e a mulher e falei que iria afetar a todos. Então, pedi a opinião delas. Elas me conhecem e disseram que se eu não entrasse, não viveria, iria entrar em depressão, etc. Quando acontecem os ataques, as pessoas reagem de diversas maneiras. No meu caso, apesar de não gostar de guerra, se eu entrar numa, eu me revigoro. No auge dos ataques, eu saía com minha filha mais velha e nos sentíamos muito bem. Além do mais, saber que do outro lado existia um esquema canalha daqueles me dava uma força redobrada. Não vou deixar para minha família, meus filhos e meus amigos a ideia de uma pessoa que foi derrotada por esse jogo pesado. E isso me revigora. A família é um ponto fundamental. Não penso apenas no que deixarei de material para os filhos, mas, principalmente, nos valores que deixarei. Eu represento um país, que é um conjunto de valores transmitido de família para família. Então, a briga não é só por mim, é pela história de meus avós, meus pais, meus tios e pelo o que eu vou deixar para minhas filhas.

O que lhe dá mais trabalho, a velha mídia ou as quatro filhas? Você diz que elas são teimosas. Puxaram ao pai?


São quatro filhas e uma neta. Lá em casa, o trabalho que dá é compensador. Mas não aceitamos arrogância, não tem aquela coisa da hierarquia. Lá, quem argumentar melhor, ganha.