domingo, 26 de setembro de 2010

Grafite e cidadania

A arte de Denis Sena (Denissena) o levou a conhecer as grandes metrópoles: São Paulo, Nova Iorque, Tóquio. Mas foi no simples mercadinho de seu Zé, entre as comunidades do Cabula I e Beiru, que ele nos deu essa entrevista, fumando um charuto típico do candomblé e tomando uma cerveja gelada.
Fale-nos da sua arte.

O grafite é uma das mais antigas formas de comunicação criadas pelo homem; a técnica de pintar as paredes das cavernas é milenar. Paradoxalmente, é uma arte efêmera por natureza, pois o desenho pode estar no muro hoje e no outro dia, não mais.

Desde 1996, experimento várias linguagens artísticas, mas sempre expresso a cultura baiana com a qual me identifico. Sigo o exemplo de Caribé, que foi um dos artistas que mais representou nossa Bahia. Minha arte, assim como a dele, tem muita influência do candomblé. Graças a ela, fui a Nova Iorque, Tóquio e agora vou para Angola.

Você faz um reconhecido trabalho educacional. Como ingressou nessa atividade?

Já tenho dez anos com projetos sociais. Em 2000, me voluntariei no Projeto Cidadão que é coordenado por Antonio Jorge, presidente da associação de moradores. Resolvemos fazer isso pela carência da comunidade, pela falta de políticas públicas e por acreditarmos na ação social sem vínculos partidários. Depois dessa experiência, escolas de outras cidades nos convidaram para implantar o projeto; semana passada estive em Santo Amaro (BA).

Como funciona o projeto?

O Projeto Cidadão é uma ONG pela qual já passaram mais de 1500 jovens. Oferecemos reforço escolar e oficinas, como as de grafite, de dança, de teatro e de outras linguagens. Tínhamos oficinas todos os sábados e cheguei a ter 30 educandos por turma. Já tivemos festival de fotografias com exposição no Banco do Brasil, mas hoje, por falta de recursos e parcerias, está meio parado e temos um número pequeno de jovens. Mesmo assim, cobramos dos pais para que acompanhem o projeto. Aqui ao lado tem uma quadra de futebol de salão que é muito disputada. Organizamos campeonatos e só permitimos a participação de quem tira boas notas. Fazemos isso porque muitos pais apostam mais no talento dos filhos no futebol do que nos estudos.

Assim como a educação, a arte também não é valorizada. A mídia, que deveria informar, faz o contrário: cria estereótipos apenas para favorecer o consumo. Isso acaba com a identidade e a autoestima das pessoas. Por exemplo, o bairro do Cabula I é remanescente de quilombolas, mas os moradores nem sabem, não se divulga isso.

O Cabula I é remanescente de quilombolas. Pode nos falar mais sobre isso?

Sim, no cabula, hoje, há uma sequência de terreiros que são frutos dos quilombolas. Há, desde a Nação Ketu, o mais popular, até a Nação Angola, o mais antigo. No bairro do Beiru, aqui ao lado, também tem muitos; Beiru foi um escravo, herdeiro de uma fazenda quilombola. Nos anos 80, renomearam o bairro para Tancredo Neves, mas o movimento negro lutou para resgatar o antigo nome. Eu, particularmente, só chamo pelo original. Sei disso porque moro aqui há mais de 20 anos e conheci o movimento negro e diversos artistas que são ativistas das culturas afro-brasileiras.

De onde vem os recursos para manter o Projeto?

Os recursos vêm de editais, mas ultimamente não participamos de nenhum. Além dos voluntários, a Universidade do Estado da Bahia (Uneb) é quem mais nos apóia. Em 2003/2004, fizemos o Grafipaz, coordenado pela Doutora em educação e arte-educadora Yara Dulce. No começo, a diretora imaginava que íamos pichar o Campus todo, mas a conquistamos e mostramos que não era isso. Depois surgiram os primeiros concursos de grafite.

Vocês divulgam as atividades?

Divulgamos, principalmente, no boca a boca, mas também fazemos bate-papos nas faculdades. Na Uneb discutimos diversos temas, como o de cidadania, que envolve os direitos e deveres do cidadão, e até de meio ambiente. Aqui atrás tem uma reserva que chamamos de Horto Florestal e a universidade faz uma campanha para preservá-la. Eu já estive no Instituto Social da Bahia (ISBA), na 15ª Jornada Pedagógica. Programas de TV também gravaram aqui, já vieram o Bahia Revista e o Na Carona, da Rede Bahia. O apresentador Jony Torres me conhece; conhece o grafite de rua. Eles sempre focam nos trabalhos comunitários, pois conhecem nossa seriedade.

Já obtiveram bons resultados com as ações?

Sim, um dos antigos educandos, o Samuca, está estudando artes plásticas na UFBA. Muitos desses meninos podiam ter seguido caminhos tortuosos, mas estão aprendendo arte, apesar dos pais, muitas vezes, não darem o devido valor e o mercado em Salvador ser pequeno. O Edilson, que está aprendendo grafite e é ótimo aluno, tem seus conflitos. De vez em quando, foge de casa, mas é um bom menino e está indo bem nas técnicas.

Edilson, pode nos mostrar o que está aprendendo?

Estou apreendendo base legal de Free Style – Vômito; Traços, que são setas e letras confusas; e Bomb, em que as letras são mais arredondadas e mais fáceis de fazer. Na verdade, se praticar, nada é tão difícil. Hoje, minha vida é desenhar. Sempre penso em passar em algum lugar e ver um desenho meu.


2 comentários:

  1. Só pra não esquecer:Denissena, tudo junto!

    Valeu,meu rei!

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  2. Ah, a nação mais antiga é Angola e Ketu, é mais popular. Correção!

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